RELACIONAMENTO INSUPORTÁVEL
Ah! Eu sei
que não temos tido paciência para ler mensagens longas. O texto aqui não é
pequeno, não vou lhe enganar. Por isso, desafio você agora mesmo: teste a sua
paciência e a sua perseverança! Vá até o fim. Talvez algum proveito seja
tirado. De forma sincera, pode ser que tanto intelectualmente quanto moralmente
alguma lição seja apreendida. “Bora conversar um pouco”. Você sabe que a sociedade
se encontra enclausurada por conta da chamada quarentena. Com isso, os últimos
dias, com a disseminação contagiosa da pandemia do coronavírus, têm deixado a população mundial alarmada. A sociedade
brasileira, tem estado com medo, muito medo, senão toda a população, pelo menos
parte dela e com toda certeza a experiência claustrofóbica tem invadido o nosso coração.
Digno de
observação é que mesmo diante da tragédia que existe, há espaço para dar vazão à
criatividade humorística. São muitos os vídeos, áudios e textos que revelam o
bom humor do brasileiro. Numa produção rápida, as brincadeiras alcançam todos
os níveis da camada social, são para todos os gostos, algumas são maldosas e de
péssima qualidade, muitas são infantis e inofensivas, outras, porém,
extremamente indecorosas e chulas. Os gracejos arrancam risos de todos, são
vistos durante o dia inteiro e circulam pelos diversos canais de comunicação, principalmente,
penso eu, pelo facebook, instragam e whatsapp.
Volto aqui à
questão das brincadeiras. Algumas são engraçadíssimas, não resta dúvida; o que
não falta ao brasileiro é capacidade criativa, aliás, faz parte da nossa
história sermos bem-humorado; fazemos humor até com o sofrimento. E agora não
tem sido diferente. Todavia, em meio a tanta coisa que é produzida, penso que o
chamado “bom humor” revela de alguma forma a realidade vivida, ou a verdade
experimentada, ou sentida por muitos, que noutra situação não revelaria o que
estão sentindo. Os atores que produzem os materiais que circulam a toda
velocidade, acabam trazendo um reflexo da voz e do sentimento de outros atores
anônimos da sociedade contemporânea. Ao ver as piadas, talvez sejam esses os
pensamentos de muitos: não falo o que sinto nem o que penso, mas o outro revela
por meio da comédia o que sinto e que o penso. Foi direto ao ponto, pois fez o
que não tenho coragem de fazer, nem de dizer. Quero manter a minha privacidade,
mas lá no fundo penso exatamente assim e sinto de igual forma.
Por exemplo,
circulou noutro dia, um vídeo, com uma imagem de um prédio de luxo, aparentando
estar próximo de uma orla, cujo áudio do vídeo divulgado traz um pedido de
socorro de um homem casado. Por conta da quarenta, ele grita a todo pulmão: “Socorro! Alguém me ajude... não aguento
mais a minha mulher!” Quando recebi o material, confesso, dei muita risada
e compartilhe com alguns amigos, o que acabou por me motivar a escrever o texto
que você lê agora. Naquela hora, também pensei: “Bem, não me sinto assim, minha
esposa está viajando”. Ela está noutra cidade, noutro estado. Mas é apenas uma
brincadeirinha, amo estar com a mulher de minha mocidade. De modo nenhum tem
sido agonizante ficar com a minha esposa em casa. Gosto muito de casa e
família. Claro, falo do ponto de vista de minha perspectiva e experiência, não
falo por minha esposa aqui. Se quiser saber como é a experiência dela, aí você
terá que perguntá-la.
Pensando no
assunto, talvez, muitos homens tenham se visto naquele quadro humorístico.
Talvez tenham pensado, “não vou gritar, mas é exatamente assim que tenho me
sentido, preso e sufocado ao lado de minha mulher”. Talvez dentro da alma, o
homem diga: “Não aguento mais. Se continuar assim não sei o que vai acontecer
com meu casamento”. Que tragédia! Ou, embora o vídeo tenha sido feito por um
homem, porém, talvez, algumas mulheres, não consigam suportar a presença do
marido em casa por um tempo de reclusão prolongado. Quem sabe a voz da alma de
algumas mulheres, diga: “Tem sido extremamente difícil. Tem sido um teste. Uma
prova de fogo. Não sei por quanto hei de resistir”. Talvez alguns casais até
fiquem doentes por causa da quarentena. Que lástima! Estamos tão habituados a ficarmos
sozinhos que passar alguns dias juntos tem sido um grande desafio.
O jornal “Folha de S. Paulo”[i],
“BBC News”,[ii]
“G1”[iii]
e o “Estado de Minas”[iv],
só
para citar alguns, noticiaram que após o confinamento por causa o coronavírus,
uma consequência se faz presente nalgumas cidades chinesas. A medida necessária
para conter a disseminação da covid – 19, cuja experiência claustrofóbica, provocou uma
avalanche de divórcios. O BBC News, disse: “[..] a quarentena forçada deixou algumas consequências
inesperadas. Muitos casais parecem não ter resistido à proximidade em tempo
integral. A mídia chinesa identificou uma corrida aos cartórios por aqueles que
não pretendem seguir juntos”. Aqui no Brasil a situação já provoca os seus
efeitos também, só que de outra natureza, já bastante conhecida: a violência
doméstica. Em algumas capitais o índice aumentou grandemente. Por
exemplo, o Rio de Janeiro registrou aumento de 50% da violência doméstica nos
últimos dias.[v] O juizado da mulher de
Fortaleza, a capital do Ceará, em quatro dias de
quarentena, recebeu 65 pedidos de medidas protetivas de urgência.[vi]
Tais crises revelam a fragilidade do laço relacional conjugal
contemporâneo. Fica evidente, portanto, o quão frágil
estão os relacionamentos familiares.
A
crise apenas tem revelado a raiz do problema. Todavia, a chamada cultura pop
também tem algo a dizer sobre a questão. A referida cultura reproduz aquilo que massivamente encontra-se no seio da
sociedade como um todo. Ela expressa por meio da múltipla variedade da arte os
sintomas agudos dos indivíduos que compõem a sociedade. A arte reproduz os
sentimentos das pessoas popularmente falando, assim como os seus desejos e suas
dores. Só para citar um exemplo, a cantora sertaneja universitária, Marília
Mendonça, retrata por meio de uma música, intitulada “Graveto”, o que acontece
dentro de casa num relacionamento. A letra da música fala de uma queixa do
homem, mas bem que pode ser o clamor também de muitas mulheres. O que interessa
aqui é o refrão da canção:
"Você virou saudade aqui
dentro de casa
Se eu te chamo pro colchão,
você foge pra sala
E nem se importa mais saber o
que eu sinto
Poucos metros quadrados, virou
um labirinto".
Note, portanto, que a cultura pop e a crise desencadeada
pelo coronavírus revelam os sintomas e fragilidade da relação conjugal. A coisa
não é brincadeira, o que reforça a minha tese, muito daquilo que tem circulado
como artifício de comédia, pode ter uma raiz mais profunda, pode ser algo que
esteja alojado no âmago do coração. Mostra que o relacionamento da família tem
sido raso. Há pouca ou quase nenhuma raiz profunda de compromisso e afetos
entranhados. Ultimamente grande
parte dos relacionamentos é fruto de uma gestação relacional virtual, escassa
de presença física e comprovadamente superficial.
O tempo dirá o quão trágico será o momento da reclusão de quarentena. O
relacionamento que exige olho no olho, que demanda o téte-à-téte, a conversa que exige o
ouvir atencioso, que reivindica presença física e amável, infelizmente está em
colapso. O relacionamento que demanda tais requisitos, para muitos tem se
tornado algo insuportável. Por isso mesmo, alto índice de divórcio na China. “Uma
casa com poucos metros quadrados, mas que se parece mais com um labirinto”. Os
casais não se conhecem como deveriam se conhecer. Não possuem intimidade
relacional. Não conseguem tabular uma conversa que consiga durar cerca de uma
hora. Logo, o passar do tempo como o que estamos tendo que enfrentar testa o
quão suportável é o nosso relacionamento. O teste está aí para provar para cada
casal a profundidade de seu laço conjugal.
Saiba, porém,
que tal situação pode nos ajudar em muitos aspectos. Pode estar certo de uma coisa, muitos
relacionamentos conjugais serão colocados à prova, não tenho dúvida. Lamentavelmente
muitos sofrerão o duro golpe, alguns ficarão adoecidos e serão desfeitos, como
tem acontecido na China, porém, gloriosamente vários serão fortalecidos e
renovados. Está na hora de rememorar alguns princípios da relação conjugal: Primeiro, a unidade. Lembre-se você é
uma só carne com o seu cônjuge. Segundo,
a permanência. O casamento é para a vida toda, só a morte deveria romper o laço
matrimonial. Terceiro, a intimidade.
O vínculo que mais aprofunda e fortalece a relação chama-se casamento.
Diante de tudo que tem acontecido, como está o seu
casamento durante a quarentena? Seu relacionamento tem sido suportável ou
insuportável? Será que vai resistir essa crise tempestuosa? O seu
relacionamento tem sido submetido à prova de fogo? Ele vai subsistir a crise
que tem demandado de você ficar mais tempo junto com o seu cônjuge? Alguém já
disse que: “Casar é fácil. Permanecer casado é mais difícil. Ter um casamento
feliz e que dure a vida inteira é uma raridade”. Pode até ser difícil, o que de
fato tem sido provado, até pode ser uma raridade, entretanto, não é impossível.
Vai ser determinante para todos os casais que vivem o tempo de reclusão
prolongada, o que o Salvador e Senhor Jesus disse: “Portanto, o que Deus
juntou não o separe o homem” (Mt 19. 6). Saiba que, os votos
matrimoniais contemplam dentre outras coisas: o amar “na saúde e na doença”,
“na riqueza e na pobreza”, “até que a morte nos separe”. Ser recordado do
compromisso que fez perante o Senhor vai recobrar o seu ânimo para suportar o
teste da quarentena, não apenas no período pelo qual estamos passando, mas a
vida inteira ao lado de seu cônjuge.
Portanto, para você que tem pensado em desistir, cuja
esperança de permanecer junto com o seu cônjuge tem se esvaído ou esteja sendo
sufocada pelo escombro da crise, lembre-se de buscar o Senhor em oração. As
vezes a situação fica nebulosa mesmo, mas saiba que para o Senhor não há
casamento tão despedaçado que não possa reatar, tão enfermo que não possa
curar. Suplique ao Senhor Deus em o nome do Senhor Jesus para que intervenha no
seu casamento. Ore ao Senhor para lhe ajudar a
descobrir o que você desconhecia, ou para redescobrir o que você perdeu: a
bênção da alegria da relação saudável, amorosa, feliz e satisfatória. Peça ao
Senhor para lhe conceder alegria em voltar e ficar em casa com a sua família. Não
tenho dúvida, o Senhor te ouvirá e te responderá, porque ama a família, ama o
casamento.
Por: Rev. Fabio Henrique de Jesus Caetano.
Pastor da Igreja Presbiteriana do Guará – II (IPGII) /
DF.
[v] https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/03/24/violencia-domestica-rj-quarentena.htm
(acessado em 31/03/2020).
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