A IMPIEDADE SOCIAL
No último sábado assisti “Um Grito de Socorro”,
filme que versa sobre um adolescente gordinho, chamado Jochem,
que sofre bullying de um grupo de
colegas da escola. A maioria
assistia à humilhação sofrida pelo garoto com uma aparência que dava a entender
que existia um “espírito” de reprovação, porém não reagia àquela situação
aviltante, pelo contrário, ficava num silêncio mórbido. O silêncio naquela
situação era um tipo de indiferença social. O filme me fez pensar que a
impiedade de uma sociedade pode ser percebida por meio de ações, atitudes e
atos, aliás, isso é comprovado.
Toda manifestação impiedosa é de alguma forma
conhecida por cada indivíduo na sociedade, até porque somos componentes de uma
determinada sociedade cuja manifestação é feita tanto pelo outro como pelo eu.
Agora, o que mais choca é saber e ao mesmo tempo ter que admitir que a impiedade
da população também se revela por intermédio de sua passividade ante a
injustiça praticada contra o outro, de sorte que o silêncio, assim como a aceitação
daquilo que é feito contra aqueles que não conseguem se defender, também é uma
forma de impiedade. Todavia, esse tipo de impiedade é aceita socialmente.
Afinal, ninguém deve envolver-se com o problema alheio.
Talvez possa ser que nalguns casos não
sejamos os agentes da impiedade, mas, uma vez que não fazemos nada para
defender nem para denunciar, não significa que devemos ser inocentados da
crueldade praticada contra nosso semelhante. Às vezes, não praticamos determinadas
coisas, mas nosso silêncio pode soar como um sinal de aprovação do que está
sendo feito. Na verdade, esse tipo de atitude tem um nome: chama-se covardia.
Tem muita gente que bate no peito orgulhosamente para dizer que não faz isso
nem aquilo, porém quando ficamos com a boca amordaçada pelo medo e pela covardia
estamos comunicando uma mensagem. Tem gente que não será punida porque fez, mas
será julgada pelo que não fez. Tem gente que não praticou, mas será condenada
porque aprova os que fazem coisas pecaminosas (Rm 1. 32). Pecamos quando
fazemos o que não se deve fazer, mas também quando deixamos de fazer aquilo que
se deve fazer.
Muitos não gostam daquilo que vou dizer, mas
como não estou refém daquilo que pensam nem tenho dívida com ninguém, porém
estou comprometido por aquilo que a Escritura revela, então, digo: na
perspectiva da criação, somos filhos do mesmo troco. A Bíblia diz que Deus “de
um só fez toda raça humana para habitar sobre a face da terra [...]” (At 17. 26).
Logo, temos uma conclusão óbvia: todos somos filhos de Adão e Eva. Sendo assim,
quando vemos um filho de Adão sendo massacrado e não agimos, com toda certeza,
nos assemelhamos a Caim, o irmão mais velho de Abel que, quando perguntado por
Deus: “onde está Abel, teu irmão? Ele respondeu: não sei; acaso, sou eu tutor
de meu irmão?” (Gn 4. 9). A sociedade contemporânea tem sido regida pelo
“espírito” de Caim. Ninguém se sente responsável pelo outro. Temos os resquícios
de Caim, os quais são vistos por meio de nosso comportamento. Nossa natureza
tem resquícios do individualismo de Caim. Eu estando bem, dane-se o outro! Cada
um cuide de sua vida. Assim, impera o princípio: “não vi nada, não sei de
nada”. A impiedade é vista pelo que é feito, enquanto ação, mas também pode ser
conhecida pelo que foi deixado de fazer, ou seja, pela omissão.
O
filme termina mostrando o triunfo da injustiça. Jochem não resistiu à pressão
daquele grupo impiedoso, e decidiu tirar a própria vida. Embora tenha pedido
ajuda, não foi atendido, porque as pessoas estavam focadas nelas mesmas. Depois
até ficaram comovidas e cheias de remorsos, porém era tarde demais. No filme, o
bullying é uma impiedade ativa, porém
o silêncio também é uma impiedade passiva. Hoje, a impiedade social ocorre
diariamente. Os gritos de socorro são ecoados por toda a sociedade brasileira.
Todavia, estamos ocupados demais, somos egoístas demais, somos indiferentes ao
quadrado. Aliás, as pessoas não ficam chocadas quando veem o outro sendo
humilhado, nem reagem quando veem o outro sendo injustiçado. As manifestações
de impiedades são diversas. A impiedade têm várias facetas. Todavia, uma delas
é o silêncio e a inércia. Isso ocorre porque “[...] ninguém quer se envolver
nos problemas dos outros”,[1] afirma Theodore Dalrymple.
No
entanto, o mais grave a meu ver é que os cristãos perderam a noção da criação.
Não olhamos para nosso semelhante com aquela compreensão revelacional. Não
temos interesse na antropologia bíblica. O ser humano carrega a digital de seu
Criador. Deus leva muito a sério a verdade de que o homem foi criado à sua
imagem e semelhança (Gn 1.26, 27). Tanto que depois do dilúvio disse: “Se
alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará, porque Deus fez o
homem a sua imagem” (Gn 9. 6). Temos aqui o principio de pena de morte. Não vou
entrar na discussão da legitimidade da pena hoje. Todavia, faço-lhe umas
perguntas para sua reflexão: será que Deus fica irado quando a maldade é
praticada contra o homem que foi criado a sua imagem e semelhança? Como o
Senhor Jesus reagiria diante de tais situações? Será que o nosso Redentor
ficaria passível ou assumiria uma posição de agente de transformação? Devíamos
nos importar mais por aquilo que Deus diz sobre o homem. O valor do ser homem
não é encontrado fora daquilo que a Palavra de Deus revela. Devemos atentar
para o seu ensino, para não ficarmos passivos e calados diante da impiedade
social que, embora aceita pela sociedade contemporânea, é duramente reprovada
pelo Senhor.
Diante disso, deixo-lhe a recomendação
bíblica, a qual adverte: “E não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das
trevas; antes, porém, reprovai-as” (Ef 5. 11). A postura do cristão deve ter
uma dupla finalidade, isto é, reprovar as trevas e fazer com que a luz
resplandeça: “Mas todas as coisas, quando reprovadas pela luz, se tornam
manifestas; porque tudo que se manifesta é luz” (Ef 5. 13). O “novo homem,
criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (Ef 4. 24)
jamais deve deixar que a covardia amordace a sua boca diante daquilo que é
praticado na sociedade. O ficar calado é uma contradição da sua nova natureza.
A justiça não se curva diante da injustiça, nem a verdade se deixa capitular
pela mentira, antes denuncia a iniquidade, assim como triunfa sobre o engodo.
Permita com que a sua nova natureza floresça, para que saibam que você é filho
de Deus. Que você seja um profeta de Deus nessa sociedade ímpia. Tenha coragem
para falar. Seja um agente de transformação, ajudando as pessoas a refletir
sobre suas ações, atos e atitudes. Além disso, aponte um caminho melhor para os
indivíduos que têm praticado a impiedade. Também seja um consolador para
aqueles que de alguma forma são tripudiados pelo sistema social.
[1]
DALRYMPLE, Theodore. A vida na sarjeta:
o círculo vicioso da miséria moral. São Paulo: É Realizações, 2014. p. 53.
Nenhum comentário:
Postar um comentário