EXPERIÊNCIA, UM ELEMENTO SUBJETIVO DA VIDA CRISTÃ
Os
estudiosos reconhecem que definir cultura é uma tarefa extremamente
complexa. Porém, mesmo assim, encontramos unanimidade entre alguns
que definem cultura com sendo o conjunto de crenças, valores,
símbolos, princípios, tradições, referências e costumes, os
quais são construídos no desenrolar da história, mas também são
reconstruídos com o surgimento de outra geração, noutra época,
por pessoas que formam um determinado grupo com experiência
distinta.
Vale
ressaltar que um grupo pode ser compreendido dentro de um núcleo
menor, ou seja, por uma família, ou por um núcleo maior, isto é,
por uma determinada comunidade. Pode ser entendido ainda, como uma
instituição religiosa composta por um grupo específico. Aqui,
neste pequeno escrito, nosso interesse é falar de cultura dentro do
viés religioso cristão. Além disso, nosso objetivo é pontuar a
questão da experiência como um elemento religioso cultural da vida
cristã.
Nosso
interesse é falar da vida religiosa pessoal e individual dentro de
um gueto religioso, mas de modo particular, o viés cristão.
Portanto, ressaltamos que não temos a pretensão de falar
exaustivamente de nenhum grupo religioso definido, apenas queremos
dar um enfoque geral, muito especialmente na questão da experiência
como um aspecto da cultura dentro coletividade, mas também e,
sobretudo, da individualidade.
Com
o conceito de cultura assimilado, somos de certo modo habilitados
para reconhecer a identidade de um grupo, suas expectativas, sua
cosmovisão, seu comportamento e suas experiências. Todo o bojo que
encontramos enquanto aquilo que defini cultura, seja dentro de uma
família, uma sociedade ou uma religião, passa por um processo que é
executado dentro de uma esfera histórica, social, emocional e
espiritual. Com isso, urge a necessidade de entendermos que a cultura
não é um objeto imóvel ou estático. Sendo a cultura é dinâmica,
logo encontramos no decorrer do tempo, o surgimento de novas gerações
que tanto reformulam quanto alteram alguns elementos culturais e
outras vezes descartam completamente.
Num
determinado grupo algumas crenças foram alteradas, valores perdidos
e uma série de outros elementos desprezados. Mas, está comprovado
também, que outros são incorporados ou agregados de acordo com a
nova mentalidade da época e o espírito reinante daquela
geração. Por
isso, cada grupo precisa ficar atento para com as evoluções
culturais dentro de sua grei, porque tais fenômenos geram um choque
entre as gerações, como também proporcionam novas percepções da
vida. A religião cristã não foge a regra. Ela também está
sujeita a tais mudanças. Aprender a lidar com aquilo que é
essencial, relevante e inegociável, para que alguns elementos
culturais enquanto legado não sejam perdidos, é vital para a
subsistência de cada grupo.
Bem,
a nosso vê, todavia, como um grupo é formado por pessoas, logo
pessoa é um indivíduo complexo, dotado de razão e sentimento,
formado por elemento físico e espiritual, possui, portanto, a
subjetividade e a objetividade como componente de seu existir. O
homem também é um ser sensitivo e intuitivo. Tal percepção do ser
humano, enquanto pessoa é salutar, pois precisamos admitir que em
grupo religioso existe um ser individual, o qual tem experiência
subjetiva vivida, experimentada a qual é relatada para o grupo, no
meio do grupo, ainda que pontualmente, mas, que depois torna-se um
elemento daquele grupo específico.
A
experiência é algo singular na vida cristã para uma pessoa. Com
isso, experiência torna-se um relato ímpar dentro do grupo, embora
nem sempre é experimentada pelo outro da mesma forma, mas acaba
fazendo parte daquele núcleo. Num caso aqui, ali e acolá, às vezes
a experiência é vivenciada de modo parecido, outras vezes não.
Além disso, mesmo que seja semelhante, porém, nem sempre possui a
mesma intensidade, nem produz o mesmo impacto causador de
transformação no outro indivíduo integrante daquele mesmo grupo. O
que valha apena ressaltar aqui é que a experiência é inegável. O
outro pode não ter experimentado nem reconhecer a veracidade da
experiência relatada pelo outro, mas o outro tem a consciência de
que algo importante aconteceu de fato em sua vida.
Ainda
dentro do grupo, a experiência nem sempre é normativa, nem poderá
sê-lo. Desta forma, ela não é preceitual. Porém, do ponto de
vista do ser subjetivo, ela é inegável, mas não é lei
padronizadora, pois se trata de uma experiência que ocorreu no campo
da subjetividade. Como se trata de uma experiência, logo não pode
ser comprovada cientificamente, no entanto, pode ser averiguada
empiricamente, porque se deu no âmbito da esfera interna do ser
subjetivo, não é algo científico ou experimento científico,
porque não pode ser repetido da forma como relatada. Todavia, uma
coisa é certa, ela foi sentida e vivenciada.
Dentro
da cultura cristã, por assim dizer, a experiência constitui-se num
instrumento determinante para a alteração de atitudes, ações,
condutas, posturas e também da cosmovisão. A experiência pode
acontecer dentro de uma esfera que abarque tanto elementos objetivos
quanto subjetivos. Os objetivos são aqueles que podem ser vistos
pelos outros, mas os subjetivos são vivenciados somente por quem
foi alcançado pelo fenômeno da experiência específica,
e, portanto, pessoal. Entretanto, pode ser relatada para os demais
membros do grupo, ou mesmo para pessoas não pertencentes ao grupo.
Talvez
o exemplo de Saulo de Tarso possa ajudar-nos. O registro da
experiência do apóstolo Paulo não é normativa, porém é sui
generis.
Saulo de Tarso era um homem que perseguia a igreja de Cristo. O
relato bíblico sobre o antes e o depois da sua experiência está
registrada da seguinte forma:
“Saulo,
respirando ainda ameaças e morte contra os discípulos do Senhor,
dirigiu-se ao sumo sacerdote e lhe pediu cartas para as sinagogas de
Damasco, a fim de que, caso achasse alguns que eram do Caminho, assim
homens como mulheres, os levasse presos para Jerusalém. Seguindo ele
estrada fora, ao aproximar-se de Damasco, subitamente uma luz do céu
brilhou ao seu redor, e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe
dizia: Saulo, Saulo, por que me persegue? Ele perguntou: Quem és tu,
Senhor? E a resposta foi: Eu sou Jesus, a quem tu persegues; mas
levante-te e entra na cidade, onde te dirão o que te convém fazer.
Os seus companheiros de viagem pararam emudecidos, ouvindo a voz, não
vendo, contudo, ninguém”
(At
9. 1-7).
Mais
tarde, Paulo deu o seu testemunho ao rei Agripa:
“Na
verdade, a mim me parecia que muitas coisas deviam eu praticar contra
o nome de Jesus, o Nazareno; e assim procedi em Jerusalém. Havendo
eu recebido autorização dos principais sacerdotes, encerrei muitos
dos santos nas prisões; e contra estes dava o meu voto, quando os
matavam. Muitas vezes, os castiguei por todas as sinagogas,
obrigando-os até a blasfemar. E, demasiadamente enfurecido contra
eles,, mesmo por cidades estranhas os perseguia. Com estes intuitos,
parti para Damasco, levando autorização dos principais sacerdotes e
por eles comissionado. Ao meio-dia, ó rei, indo eu caminho fora, vi
uma luz no céu, mais resplandecente que o sol, que brilhou ao redor
de mim e dos que iam comigo. E, caindo todos nós por terra, ouvi uma
voz que me falava em língua hebraica: Saulo, Saulo, por que me
persegues? Dura coisa é recalcitrares contra os aguilhões. Então,
eu perguntei: Quem és tu, Senhor? Ao que o Senhor respondeu: Eu sou
Jesus, a quem tu persegues. Mas levanta-te e firma-te sobre teus pés,
porque por isto te apareci, para te constituir ministro e testemunha,
tanto das coisas em que me viste como daquelas pelas quais te
aparecerei ainda, livrando-te do povo e dos gentios, para os quais eu
te envio, para lhes abrires os olhos e os converteres das trevas para
a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles
remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela
fé em mim. Pelo que, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão
celestial, mas anunciei primeiramente aos de Damasco e em Jerusalém,
por toda a região da Judeia, e aos gentios, que se arrependessem e
se convertessem a Deus, praticando obras dignas de arrependimento”
(At
26. 9-20).
E
por fim, Paulo, em sua Carta aos Filipenses, faz menção da sua vida
antes do encontro com Jesus, bem como da sua vida posterior ao
encontro. Sua experiência fez com a sua vida passasse por uma
mudança radical da mente, assim como da conduta, da ação, da
postura e da cosmovisão. Veja o que diz:
“Bem
que eu poderia confiar também na carne. Se qualquer outro pensa que
pode confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da
linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à
lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à
justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que, para mim, era
lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras
considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento
de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e
as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não
tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante
a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé;”
(Fl
3. 4-9).
Conforme
falamos anteriormente, a experiência de Paulo não deve ser tomada
para servir de modelo, mas, para constatar o elemento subjetivo da
experiência. Chamo a sua atenção, no entanto, para o uso da
conjunção adversativa empregada pelo apóstolo, quando diz: “Mas
o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de
Cristo” (Fl
3. 7).
A conjunção usada dentro da estrutura literária serve para
contrastar uma etapa histórica da existência com um início de
outra fase. Porém, também dentro do prisma do acontecimento da
experiência, a conjunção dentro do corpo do texto faz eco ao
episódio daquilo que aconteceu com Paulo, quando caminhava
enfurecido para Damasco, a fim de aprisionar os crentes, assim como
para matá-los. Diante do fenômeno extraordinário da manifestação
de Cristo, Paulo foi lançado ao chão e pela primeira vez ouviu a
voz de Jesus. A partir disso, a experiência serve de demarcador de
um começo diferente da vida de Paulo.
Bem,
a Bíblia dá conta que “Os seus companheiros de viagem pararam
emudecidos, ouvindo a voz, não vendo, contudo, ninguém” (At
9. 7).
Embora a voz tenha sido ouvida, porém, a transformação enquanto
resultado da experiência efetivamente aconteceu somente com Saulo de
Tarso. Nunca mais a vida de Paulo foi a mesma depois daquele dia. Foi
tão impactante que não hesitou em deixar tantas coisas que antes
tinham valor singular. De agora em diante, tudo só tinha verdadeiro
valor em Cristo.
Por
isso, não sou afeito a nenhum tipo de apologética, que tenta negar
ou desconstruir a experiência cristã enquanto elemento subjetivo da
fé cristã de uma pessoa. A experiência aconteceu num campo onde
ninguém tem como acessar. Na verdade, dentro do grupo cristão, há
relato o tempo todo da experiência como algo vivenciado pelo o
indivíduo. O próprio fato da regeneração é uma realização
divina que acontece na esfera interna do ser existencial.
Gostaria
de salientar ainda, que o mesmo Paulo, ao escrever o seu “compêndio
teológico” para instruir os cristãos que se encontravam em Roma,
diz que: “O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que
somos filhos de Deus” (Rm
8. 16).
De sorte que o outro pode até olhar para a sua experiência com
certa desconfiança ou pode tentar dissuadi-lo de que sua vida não
pertence a Deus. Todavia, a linguagem de Paulo mostra que a convicção
de uma pessoa acerca da sua relação filial, não procede de
elementos externos, mas de uma comunicação interior, testificada
internamente pelo Espírito Santo, a qual é realizada na esfera
subjetiva de cada cristão que recebeu “o espírito de adoção,
baseados no qual clamamos: Aba, pai” (Rm
8. 15).
Por certo, você que pertence a algum grupo de confissão cristã,
seja reformada, pentecostal ou neopentecostal, sabe e entende sobre o
que estamos falando aqui.
Por
conta disso, achamos que é uma perda de tempo quando arvoramos
arbitrariamente no campo alheio da fé de uma pessoa cristã.
Portanto, a experiência sempre será uma parte subjetiva vital da
vida cristã. Todo cristão tem a sua experiência para contar dentro
de seu grupo, ou mesmo fora dele. Sua experiência é subjetiva,
porém, inegável. Agora, entendamos uma coisa, não temos
autorização para colocar nossa experiência como medidor da fé de
outra pessoa, pois cada qual tem o que contar de uma forma pessoal,
individual e particular.
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