MORALIDADE, A ROUPA DO ORGULHO RELIGIOSO
MORALIDADE, A ROUPA DO
ORGULHO RELIGIOSO
Certa feita, um
amigo partilhou sobre a “pujança” de sua vida de oração. Ele
disse-me que a sua meta era orar duas horas por dia de modo
ininterrupto. Para atingir seu objetivo sagrado, bem como para
evidenciar a sua espiritualidade tupiniquim, colocava uma fita
cassete num toca fita auto-reverse, pois era o meio que demarcava
começo, meio e fim. Quando o primeiro lado da fita terminava, a
metade do percurso da sua maratona havia sido cumprida, então
aguardava a finalização do segundo lado para completar sua jornada
diária. A primeira vez que ouvi isso fiquei fascinado pelo seu
fôlego de oração. Hoje, porém, não fico nem um pouquinho
impressionado com este tipo de devoção. Não posso negar que meu
amigo tinha disciplina, mas também devo
admitir que a sua prática religiosa estava coberta do manto
orgulhoso da religiosidade. Para ele seu orgulho religioso estava
vestido de “piedade”, mas pode ser que o meu e o seu esteja com
uma outra ou outras roupagens.
Ainda é preciso dizer
que, para meu amigo, a oração deixou de ser um deleite e tornou-se
uma norma preceitual, deixou de ser um meio de graça e tornou-se um
fardo, deixou de ser um cultivo da intimidade com Deus e tornou-se um
ritual árido. A vida cristã, no entanto, jamais deve ser medida
pela quantidade de regras que uma pessoa observa nem pela quantidade
de preceitos que guarda, mas pela liberdade que a graça
proporciona-lhe em Cristo, para viver, orar e amar ao Senhor. Na
dispensação do Evangelho está escrito: “Porque, em Cristo Jesus,
nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé
que atua pelo amor” (Gl 5. 6). Por isso, não adianta ser um exímio
cumpridor das normas ritualísticas nem um supremo guardião das
tradições dos anciãos, mas ser um inveterado violador dos
mandamentos divinos. De sorte que, não adianta honrar o Senhor com
os lábios, mas ter o coração longe dele.
Isso tudo lembra-nos
sobre a postura dos fariseus. Eles orgulhavam-se da sua moral e da
sua prática religiosa. Na verdade, o orgulho farisaico tem muitas
facetas. Mahaney afirma que: “O orgulho assume inumeráveis formas,
mas possui apenas uma finalidade: autoglorificação”.1
No meio religioso seu principal traje é a moralidade. Por conta
disso, o orgulho tem uma indumentária bela e colorida, que
impressiona de longe, porém de perto possui um ranço de podridão,
um odor de privada e uma aparência de sepulcro caiado, pois por fora
se mostra belo, mas por dentro está cheio de ossos e sujeiras. A
veste externa do orgulho é a moralidade. Muitas pessoas se orgulham
porque não são como os demais pecadores. Elas não bebem, não
fumam, não são adulteras e não sonegam impostos. Quando
perguntadas sobre os mandamentos, elas são ávidas em responder:
“Tudo isso tenho observado desde a minha juventude” (Lc 18. 21).
O currículo delas do lado externo é bonito de se ver, porém a
parte interna está borrada pelo disfarce da hipocrisia que usam o
tempo todo, para conservar a imagem de perfeição diante do público,
pois temem ser conhecidas de fato como são.
Na verdade, o moralismo
enquanto roupa do orgulho religioso é a catequese da escola dos
fariseus. Os
alunos desta escola são aprendizes do fariseu
da parábola contada por Jesus cujo padrão de justiça são suas
obras. De modo que a pós-graduação do farisaísmo é o moralismo
religioso. O uniforme da universidade do orgulho religioso é o
moralismo. As pessoas dessa “instituição” não dão espaço
para aquilo que Cristo fez. O orgulho delas gira em torno do que não
fazem, assim como do que fazem. Em suma, elas confiam nas suas obras.
O outdoor da aparência é a principal preocupação dos moralistas.
Brennan Manning afirma que: “Impostores se preocupam com aceitação
e aprovação. Por causa da necessidade sufocante de agradar os
outros, não conseguem dizer 'não' com a mesma convicção que dizem
'sim'. Assim, fazem das pessoas, dos projetos e das causas extensões
de si, motivadas não pelo compromisso pessoal, mas pelo medo de não
corresponder às expectativas das pessoas”2.
Isso é o desvio da vida cristã.
Contudo é preciso que
fique claro, o orgulho é filho da pretensa autonomia. O homem sempre
quis ser um ser autônomo. Ele sempre quis ser igual a seu Criador.
Sua queda é resultado daquilo que desejou ser: ele quis ser como
Deus. De sorte que, a gestação do orgulho ocorre dentro do coração,
mas sua forma estética é o comportamento. A moralidade tende a
tornar as pessoas cheias de si mesmas. Os legalistas fariseus
orgulhavam-se de si mesmos pela seguinte razão: “eu faço”, ou
“eu não faço”, ou “eu não sou como”, ou então, “eu
sou”. O seu pecado principal é a egolatria. Logo, isso está
intimamente relacionado com aquilo que pensam ser. Para os fariseus,
a prática é o que são em essência.
O moralista está mais preocupado com a imagem que é passada para as
pessoas, ele é um impostor que “apregoa sua escuridão como se
fosse a luz mais intensa, disfarçando a verdade e distorcendo a
realidade”.3
Pessoas cujo vestido é a
moralidade nunca são conhecidas pela essência, mas pela aparência
projetada pela imagem dos óculos 3D, parece, mas não é.
Entretanto, essas coisas
nem atingem nem transformam o coração de ninguém. É como afirma
Mark Driscoll: “a realidade é que as regras, as regulamentações
e a busca de uma moralidade exterior são essencialmente incapazes de
prevenir o pecado. Elas podem, na melhor das hipóteses, reorganizar
a carne e fazer com que as pessoas parem de beber, fumar e fazer
sexo, apenas para torná-las orgulhosas de sua elevada moralidade”.4
Diante disso, afirmamos que a moralidade é o avental do orgulho. Ele
avilta a transparência e a sinceridade. Além disso, ela faz com que
as pessoas se sintam orgulhosas daquilo que fazem. Muitas coisas que
as “instituições eclesiásticas” fazem não passam de dogmas
moralistas preceituais. As tradições dos anciãos ganharam novas
roupagens, todavia continuam sendo atadas sobre os ombros dos
incautos. Tais instituições tem uma cartilha de ‘pode’ e ‘não
pode’. Com isso, o surgimento de neofariseus continua sendo forjado
ou fabricado na forma da moralidade religiosa, que é criada por
instituições e por homens.
O moralista está sempre
vestido com a capa da autoconfiança. Todo aquele que norteia sua
vida com a bússola farisaica da religiosidade e da ética
autorreferente, tende a confiar em si mesmo. Além do mais, tal
indivíduo massageia seu ego com sua justiça própria, aplaude sua
conduta e trata o outro com desdém. Por falar nisso, “Dois homens
subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro,
publicano. O fariseu, posto de pé, orava de si para si mesmo, desta
forma: Ò Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens,
roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano;
jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho”
(Lc 18. 10-12). Este personagem é a encarnação do orgulho
materializado em moralismo. A avaliação que faz do outro tem como
instrumento a visão que tem de si mesmo em relação ao outro, à
sua prática religiosa e à sua ética. Mahaney afirma que, “[…]
só os humildes podem identificar, de modo consistente, evidências
da graça em pessoas que precisam ser corrigidas. Os orgulhosos e os
que são justos aos seus próprios olhos são incapazes de perceber
isso”.5
Entretanto, nosso
moralismo religioso não é diferente. Somos parecidos com fariseus
em muitos aspectos. Por isso, nosso discurso não atrai nem agrega
pecadores, porém mantém as pessoas afastadas de nós por duas
razões: primeiro, por conta daquilo que pensamos delas. Elas mais
pecadoras que nós, são impuras, injustas e imorais. Segundo, por
causa daquilo que pensam acerca de nós. Nossa capa religiosa tende a
afastar as pessoas do nosso convívio, não por conta da nossa
santidade, mas por causa da nossa cara feia. Os moralistas fariseus
sempre meneiam a cabeça em sinal de reprovação, dizendo para si
mesmos: “Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher
que lhe tocou, porque é pecadora” (Lc 7. 38). Ou então dizem:
“Este recebe pecadores e come com eles” (Lc 15. 2). Noutra
ocasião murmuram “dizendo que ele se hospedara com homem pecador”
(Lc 19. 7). Eles são aptos para condenar e criticar. Eles
desconhecem o amor, a misericórdia, a compaixão e o perdão.
Os moralistas são como
o primeiro filho da parábola contada por Jesus. O Pai diz: “Filho,
vai hoje trabalhar na vinha” (Mt 21. 28). E então, o filho
responde prontamente: “Sim, senhor; porém não foi” (Mt 21. 29).
O Pai faz o mesmo pedido ao segundo filho, e este responde: “Não
quero; depois, arrependido, foi” (Mt 21. 30). O primeiro filho é
um moralista fariseu, vive sempre de aparência e de palavras
afirmativas, mas não se arrepende. Sua vida é um engodo. Suas
palavras um giz que apaga suas obras. Ele não muda sua conduta.
Sempre critica os outros, todavia, não se arrepende. O segundo
filho, embora desobediente e arredio, se arrepende. É por isso, que
Jesus conclui a parábola com uma pergunta: “Qual dos dois fez a
vontade do pai?” (Mt 21. 31). Os moralistas são hipócritas, mas
também são inteligentes. Eles respondem: “o segundo” (Mt 21.
31). Jesus, então declara: “Em verdade vos digo que publicanos e
meretrizes vos precedem no reino de Deus. Porque João veio a vós
outros no caminho da justiça, e não acreditastes nele; ao passo que
publicanos e meretrizes creram. Vós, porém, mesmo vendo isto, não
vos arrependestes, afinal, para acreditardes nele.” (Mt 21. 31,
32).
Sabe por que este tipo
gente não se arrepende? Porque não percebe sua condição diante de
Deus, nem o seu pecado velado, nem as suas falhas de caráter.
Pessoas que avaliam a sua condição com base na sua conduta,
dificilmente se arrependerão. Ao passo que os miseráveis, os
marginalizados, os trapaceiros cujas vestes estão dilaceradas pelo
pecado, se escondem debaixo do abrigo do reino de graça primeiro,
pois compreendem que nada são e nada podem fazer para receber o
perdão do Pai. Por esta razão, colocam a boca no pó, arrependidas,
e depositam sua confiança em Jesus Cristo. É por isso que a
Escritura afirma que: “Deus escolheu as cousas loucas do mundo para
envergonhar os sábios e escolheu as cousas fracas do mundo para
envergonhar as fortes; e Deus escolheu as cousas humildes do mundo, e
as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que
são; a fim de que ninguém se glorie na presença de Deus” (1Co 1.
27-29).
Enquanto as pessoas
estão em busca de adulação e autoglorificação, a Escritura
ensina que “ninguém se glorie nos homens” (1Co 3. 21). Ao invés
disso devemos imitar o apóstolo Paulo que afirma: “Mas longe
esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus
Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o
mundo” (Gl 6. 14). Aliás, diz a Escritura que: “Aquele, porém,
que se gloria, glorie-se no Senhor. Porque não é aprovado quem a si
mesmo se louva, e sim aquele a quem o Senhor louva” (2Co 10. 17,
18). Diante disso, a prudência orienta-nos a orarmos da seguinte
forma: “Pai, eu quero ficar o mais perto possível da cruz, por é
mais difícil ser arrogante quando estou lá”.6
As palavras de John
Stott, citadas por Mahaney são profundamente instrutivas: “o
orgulho é nosso maior inimigo e a humildade, a nossa maior amiga”.7
Se um homem ou uma mulher quiserem ser curados do autoengano
moralista, suas capas da justiça precisam ser removidas, suas
deficiências precisam ser assumidas e suas chagas precisam ser
reveladas. Acatemos, pois, a admoestação do Espírito Santo:
“cingi-vos todos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos,
contudo, aos humildes concede a sua graça” (1Pe 5. 5). Vistamos as
vestes da humildade, para então, recebermos a preciosa promessa do
Senhor. Substituamos a roupa do moralismo do orgulho religioso, pelo
avental da humildade. Por que devemos proceder assim? Porque as
pessoas que usam a roupagem do moralismo só conseguem perceber o
pecado do outro, porém só os humildes conseguem visualizar a ação
da graça. “O orgulho não somente destrói, mas engana. O pecado,
com seu poder enganoso, com frequência nos cega, deixando-nos
inconscientes das falhas que as demais pessoas percebem claramente”,
afirma Mahaney. Uma pessoa vestida de moralismo religioso,
dificilmente perceberá os seus paradoxos, as suas contradições e
as suas ambiguidades. Os humildes, porém, conseguem perceber sua
condição e seu estado, assim como vêm a graça agindo na vida do
outro, e se alegram com isso.
Não quero, todavia
passar a ideia de que o evangelho não tem ética, absolutamente não,
pois ele o tem. No entanto, a ética cristã é fruto daquilo que a
graça realizou e ainda está realizando em nosso coração. Não
direi que é natural, pois não é. Natural é o moralismo, pois é o
resultado do esforço humano. A ética do evangelho é sobrenatural,
visto que sua origem é a nova vida com Cristo e em Cristo. O
moralismo é pesado e enfadonho, mas a ética do evangelho é leve e
suave. O primeiro tem um odor insuportável, o segundo vem carregado
do bom perfume de Cristo. Deixe que a fragrância da graça atraia
pessoas para Cristo por meio da sua vida. Mas, para que isso ocorra,
livre-se do vestido surrado e mal cheiroso do moralismo religioso. Ao
contrário do fariseu da parábola contada pelo Senhor Jesus, devemos
proceder como o publicano, que “estando em pé, longe, não ousava
nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó
Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18. 13). Então, Jesus
conclui: “Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não
aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se
humilha será exaltado” (Lc 18. 14). O modo como você ora, bem
como a forma como procede relacionalmente com o outro, revela qual
roupa tem usado. Só os que percebem sua nudez, serão revestidos com
a justiça de Cristo. Que o SENHOR nos ajude! Amém!
NOTAS:
- MAHANEY, C. J.; Humildade: verdadeira grandeza. São José dos Campos – SP: Fiel, 2008. p. 30.
- MANNING, Brennan; O impostor que vive em mim. São Paulo: Mundo Cristão, 2007. p. 37.
- MANNING, Brennan; O impostor que vive em mim. São Paulo: Mundo Cristão, 2007. p. 38.
- DRISCOLL, Mark; Reformissão: como levar a mensagem sem comprometer o conteúdo. Niterói – RJ: Tempo de Colheita, 2009. p. 40.
- MAHANEY, C. J.; Humildade: verdadeira grandeza. São José dos Campos – SP: Fiel, 2008. p. 83.
- MAHANEY, C. J.; Humildade: verdadeira grandeza. São José dos Campos – SP: Fiel, 2008. p. 59.
- MAHANEY, C. J.; Humildade: verdadeira grandeza. São José dos Campos – SP: Fiel, 2008. p. 28.
1
MAHANEY, C. J.; Humildade: verdadeira grandeza. São José dos
Campos – SP: Fiel, 2008. p. 30.
2
MANNING, Brennan; O impostor que vive em mim. São Paulo: Mundo
Cristão, 2007. p. 37.
3
MANNING, Brennan; O impostor que vive em mim. São Paulo: Mundo
Cristão, 2007. p. 38.
4
DRISCOLL, Mark; Reformissão: como levar a mensagem sem comprometer
o conteúdo. Niterói – RJ: Tempo de Colheita, 2009. p. 40.
5
MAHANEY, C. J.; Humildade: verdadeira grandeza. São José dos
Campos – SP: Fiel, 2008. p. 83.
6
MAHANEY, C. J.; Humildade: verdadeira grandeza. São José dos
Campos – SP: Fiel, 2008. p. 59.
7
MAHANEY, C. J.; Humildade: verdadeira grandeza. São José dos
Campos – SP: Fiel, 2008. p. 28.
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