CONSEVADORISMO: A NECESSIDADE DO EQUILÍBRIO

CONSERVADORISMO: A NECESSIDADE DO EQUILÍBRIO

Religião de poder é uma coletânea de artigos editados por Michael Scott Horton. Para essa compilação, ele requisitou vários autores de envergadura teológica singular. Dentre esses, o teólogo anglicano J. I. Packer, escritor renomado e contemporâneo. Packer tem dado uma contribuição ímpar para o evangelicalismo inglês, americano e brasileiro. Suas obras têm sido recebidas com muito apreço pela igreja brasileira. Em seu artigo, o conforto do conservadorismo, ele promove uma reflexão relevante e plausível sobre aspectos positivos e negativos do conservadorismo quanto à postura de alguns em relação à tradição teológica.

Antes de trabalhar sobre o assunto, o autor conceitua os termos conforto e conservadorismo. Segundo o autor a palavra conforto tem dois sentidos: o primeiro traz a ideia de revigoração e renovação das forças; o segundo traz a ideia pejorativa de comodismo e relaxamento. Da mesma forma, Packer afirma que existem dois tipos de conservadorismo. Para ele existe o conservadorismo criativo e o carnal. O primeiro é inteligente e luta bravamente contra a influência cultural, sem, contudo fechar os olhos à realidade contemporânea. O conservadorismo criativo convoca o povo a uma reflexão sobre o que está acontecendo no mundo com as lentes contemporâneas, mas com uma consideração daquilo que foi dito e feito na história da igreja. Esse jamais ignora o legado teológico. Já o segundo é cego. Ele busca ou faz apologia daquilo que é velho e convencional. Enquanto o conservadorismo criativo promove reflexão, faz leitura da atual circunstância sem rejeitar a herança da tradição, o carnal simplesmente se acomoda com e ao passado.

O conforto do conservadorismo apregoa um imobilismo, o qual deve olhar em todo tempo para o passado. Contudo, essa postura gera uma falsa sensação de bem estar, de segurança e de sapiência. Com isso, esse imobilismo é colocado sobre outras pessoas, o qual passa a exercer um papel tirânico sobre os demais. O argumento persuasivo dos tradicioneiros visa o acatamento de tradições de fé por pessoas adultas, mas que devem receber tais tradições sem nenhum senso crítico ou questionamento. No entanto, Packer não descarta o aspecto salutar da ortodoxia cristã, a qual deve ser recebida com responsabilidade e sob a autoridade autêntica. Dessa forma, o conforto do conservadorismo produz cristãos saudáveis e igrejas vibrantes.

A natureza da tradição cristã focaliza o estudo da tradição, bem como da sua compreensão positiva no século passado. Para isso, Packer destaca quatro pontos principais: a tradição caracteriza as comunidades; as tradições se iniciaram como atos contemporâneos, os cristãos se beneficiam e são vítimas da tradição e tradições seculares e religiosas do mundo se opõem e corrompem a tradição cristã. Todos os grupos têm suas tradições, as quais servem como fator identificador do mesmo. As tradições sempre começam como atos contemporâneos dentro de um contexto e em uma geração. Contudo, surgem também os extremistas. Alguns abraçam as tradições como inspiradas pelo Espírito Santo, outros se posicionam com absoluto desdém. Como existem tradições boas e más, logo somos beneficiados ou nos tornamos vítimas das mesmas. Portanto é preciso cautela. A tradição cristã esbarra sempre nas oposições das tradições religiosas e seculares. Por isso, a igreja precisa constantemente se contrapor aos ataques sutis destas tradições.

Como vimos toda tradição tem aspectos positivos e negativos. Ela pode ser boa, mas também pode ser má. A tradição cristã, a qual é avaliada pelo crivo da Escritura oferece benefícios. Packer destaca quatro: raízes, realismo, recursos e lembretes. Quem conhece a tradição descobre suas raízes, identidade e origem. Além disso, as raízes ressaltam os fundamentos. Outro benefício é a questão da realidade, pois o passado ajuda a fazer uma leitura do presente, bem como avalia a cultura, a mentalidade e sobre o futuro com uma percepção realista dos fatos. O terceiro benefício ensina que a tradição cristã é um precioso legado. Sendo assim, um recurso valioso para a geração contemporânea. Por fim, o benefício do lembrete pedagógico na questão do rememorar a geração militante sobre a história da tradição.

Embora a tradição cristã ofereça todos os benefícios supracitados, no entanto, ela pode cometer muitos abusos. Quando à tradição cristã absolutiza as formulações teológicas como sendo divinas e fechadas, não sujeitas as mudanças e aos questionamentos, ela comete um abuso quanto ao seu equívoco, pois inverte a ordem de valores. Essa percepção convenciona chavões e conceitos teológicos como se fossem inspirados e sacrossantos. Tal mentalidade rejeita todas as transições culturais que ocorrem entre ou no meio do podo de Deus em seu contexto histórico. Portanto, é um perigo e um abuso quando a tradição é colocada como o ideal de Deus em detrimento da Palavra. Por conta disso, todas as mudanças são recebidas e rechaçadas como sendo negativas e perniciosas. Esse tipo de postura quer domesticar o Senhor da história, quer limitá-lo em seu agir e quer condicioná-lo à tradição. Tudo isso serve para manipular as pessoas e exercer domínio sobre elas.

Packer conclui o seu artigo salientando que existe cura. Que alívio! Porque diagnosticar um problema sem oferecer solução é uma lastima. O conservadorismo criativo utiliza à tradição como recurso de contribuição disponível para ajudar na compreensão de verdades e situações. Ela não é autoridade última, nem final e nem absoluta. O antídoto exige três posturas: honestidade na autocrítica; humildade no juízo particular e integridade na ação moral. A autocrítica deve ser honesta. É preciso descobrir porque erramos, onde erramos e no que erramos. Além disso, a mudança precisa ser feita, mas precisa ser descoberta como deve ser feita. Tudo isso deve ser norteado pela honestidade. A segunda postura exige constância no exame da Escritura até que verdades obscuras fiquem claras. Contudo, o fator determinante não é o nosso intelecto orgulhoso. Por fim, a integridade na ação moral, a qual exige que ocorra um rompimento com a multidão, mesmo que essa seja cristã. De modo que o padrão de integridade do cristão é a Bíblia e não a legislação baseada na sabedoria humana.

Para Packer existem muitos evangélicos presos atualmente ao conforto do conservadorismo carnal. A igreja precisa fugir dessa armadilha. Ela precisa abraçar o conservadorismo criativo e inteligente. Ela precisa buscar a verdadeira renovação da fé reformada, a qual reconhece ser uma tradição, mas que se permite ser reformada, questionada e balizada pelo crivo da Escritura Sagrada.

Gostaríamos de salientar que, embora o artigo seja um texto pequeno, no entanto está inundado de riqueza intelectual e relevante reflexiva. Existem outros pontos que poderiam ser destacados nessa sucinta avaliação crítica, mas destacaremos apenas mais um: 1) O texto é uma convocação à reflexão crítica acerca do perigo de abraçar a tradição sem submetê-la a uma avaliação da Escritura, bem como o perigo de supervalorizá-la, ao ponto de comprometer a autoridade e suficiência da mesma. Contudo, o autor elaborou o seu artigo com equilíbrio, maturidade cristã, bom senso e sobriedade, pois sabe e reconhece o valor do legado da tradição teológica para a igreja cristã. Portanto, sem dúvida alguma, esse é um ponto que merece ser destacado. No mais, esse é um artigo que deve ser lido por toda liderança cristã, mas especialmente pela liderança herdeira da tradição reformada, para que a mesma não caia em ciladas da sapiência humana.

6 comentários:

Valério Nascimento disse...

Rev.Fábio sua síntese do trabalho do Packer foi bastante feliz. Ela nos lembra pontos importantes que precisam ser analisados:
1. Existe uma diferença que precisa ser entendida entre tradição e Bíblia;
2. A tradição teológica por mais excelente que seja, deve ser contextualizada;
3. Não podemos esquecer que a verdade é sempre verdade de Deus.
4. Precisamos rejeitar o biblicismo, que nos amordaça e produz um "mundanismo super espiritual" (Lyon.)
Que Deus continue a te abençoar.

Anderson Gonzaga disse...

Rev. Fábio,

A realidade do cristianismo evangélico brasileiro parece pender entre dois movimentos aparentemente distantes, mas que são quase irmãos: A superstição cristã pentecostalizante e a apostasia dos liberais. Dificilmente o conservadorismo bíblico será um problema para a igreja. Mesmo porque bem poucos hoje ainda prezam pela observação da tradição cristã bíblica. Já o pentecostalismo, cheio de práticas que falam alto ao enganoso coração do homem, sutilmente envolto numa capa de espiritualidade, é alegremente abraçado pela igreja. De modo quase inacreditável, a tragédia da pentecostalização do cristianismo brasileiro tem tido bem pouca atenção no púlpito e na literatura . Convivemos com isso como se fosse uma coisa inofensiva, boa até. Essa visão pentecostalizante tem uma característica: não aceita críticas e, quando há, as rotula como tradicionalismo. Hoje, p.ex., numa discussão acerca das práticas eclesiais está ´fora de moda` a autoridade bíblica e em alta a ´contextualização`. É nesse ponto, entendo, que o pentecostalismo abraça com força o liberalismo.
Por isso, para mim, o ponto central de seu artigo é: "De modo que o padrão de integridade do cristão é a Bíblia..."
Num tempo de analfabetismo bíblico, onde muitos cristãos vivem de abastecimentos dominicais do combustível oferecido nos púlpitos, o alerta é vital.

Um abraço,
AndersonGonzaga.

Fábio Henrique disse...

Ei Valério,
saudade de vc meu amigo. Muito obrigado pelo "bastante feliz".
Em Cristo, nosso comum Salvador e Senhor,

Fábio Henrique

Fábio Henrique disse...

Pb. Anderson,

a sua observação é muito importante. Alguém já disse que a diferença dos moventos citados é que um é "inteligente" ou outro ignorante (ambos liberais). Abs meu amigo.

Em Cristo, nosso comum Salvador e Senhor,

Fábio Henrique

Anônimo disse...

Sempre que entro no seu bolg sou muito edificada .Tem sido muito abençoador poder ver o quanto o senhor tem crescido em seu ministério.Louvo muito a Deus por sua vida e me sinto privilegiada por ser sua ovelha.Fique com Deus.Rita lira

Anônimo disse...

Ei Rita,
que bom. Fico muito feliz que tenha sido um instrumento de edificação para sua vida. Grande abraço.
Em Cristo, nosso comum Salvador e Senhor,

Pr. Fábio Henrique

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